Pecuarista, Diretor da ACNB e formado em Direito. Realiza recria e engorda com Integração Lavoura e Pecuária na Fazenda Nossa Senhora das Graças, em Caarapó (MS).
Um grande navio pesqueiro navega nas águas Tropicais do Atlântico. Ha vários dias os marujos pescam no sistema Peneirão com relativo sucesso. Porém em uma manhã, o chefe da pesca se dirige ao Capitão do navio e diz:
– A Peneira furou…
O Capitão pensativo, conclui como seu marujo, que terão de pescar com anzóis e varas!
Há mais de 20 anos a Indústria frigorífica se utiliza de uma criativa forma de compra de bovinos, ela compra a maior quantidade possível sem seleção e transfere toda esta variedade de cores, tamanhos e etnias para que a sala de desossa e o setor de vendas façam a mágica de transformar este desfile carnavalesco em resultado financeiro.
Com este sistema os frigoríficos amenizam dois graves problemas da cadeia da carne brasileira o primeiro é a heterogeneidade de um rebanho de 200 milhões de animais espalhados pelo nosso país-continente, o segundo é a capacidade de abate de uma Indústria que esta pronta para uma produção que somente chegará em 2020 (muito ociosa!).
Logicamente o relacionamento da indústria e do produtor no Brasil traçou uma forma diferente de outros grandes players da carne, principalmente por que aqui temos uma grande variedade de sistemas produtivos e conseqüentemente de produtos. Nos EUA, na Austrália e mesmo no Uruguai os sistemas produtivos são bem mais homogêneos. O sangue zebu do nosso bife também explica esta diversidade devido a sua grande adaptabilidade de produtos puros ou cruzados.
Devido a nossa geografia e clima distintos, temos lotes sendo criados em piquetes rotacionados de 1 ha até vacas que caminham 10 kilômetros para beber água, bois gordos que consumiram somente umidícula em toda sua vida, até sistemas onde novilhos são abatidos aos 12 meses com alto consumo de grãos todos os sistemas economicamente viáveis e produtivos.
Outro ponto diferencial do nosso rebanho é a grande quantidade de animais abatidos que vem da atividade leiteira. Devido à baixa produtividade, nosso rebanho leiteiro é muito grande (o Brasil tem uma alta relação Vaca X Litro de Leite) que automaticamente contribui todos os anos com a reposição de muitos pecuaristas de corte.
E logicamente independente da qualidade destes animais e seus sistemas produtivos, o produto final, a carne não é padronizada.
O Sistema Peneirão utilizado por 90% dos frigoríficos brasileiros consegue conviver com esta diversidade e falta de padronização. Eles resolvem esta equação extraindo do grande volume a qualidade da seguinte forma: o peso, o rendimento de carcaça e as premiações são definidos dentro da Indústria. Da mesma forma ele soluciona problemas de conformação, contusões, cisticercose, idade e resíduos debitando estes valores na fatura do Pecuarista após o abate.
O sistema também permite que a equipe de compra de um frigorífico seja composta por duas pessoas com duas linhas telefônicas e uma planilha de escala de abate. Este complexo sistema de compra consegue comercializar até 200 mil animais em um ano sem sair do escritório e sem sequer visitar qualquer de seus fornecedores, utilizando técnicas de telemarketing com frases curtas: ”Boi, R$120,00. Embarca segunda.”
Os produtores aceitaram e se adaptaram também ao Peneirão. Quando sai para comprar, o Pecuarista procura um “Bezerro Bom”. No máximo inclui alguns adjetivos como: “Quero Nelore” ou “Estou Procurando Cruzados”. Raramente se fala em genética, linhagem, frame, marmoreio, precocidade ou estado corporal. Não existe uma definição de como vai ser o produto final ou para qual mercado este animal vai ser vendido.
Também por conhecer o Peneirão, produtor de modo geral limita a qualidade dos bois fornecida para os frigoríficos, pois ele sabe que o sistema beneficia produtores que produzem um pouco abaixo da média (e conseqüentemente com custos mais baixos) e prejudica produções de alta qualidade.
Esta mesma qualidade limitada é colocada à venda nas gôndolas pelo Varejo. Em geral esta carne bovina de qualidade mediana é “pendurada” ao lado de modernos, chamativos e coloridos balcões de frangos suínos e seus derivados para que o Consumidor faça sua escolha. A Cadeia de Frango e Suíno há muitos anos abandonou o Peneirão!
O lado perverso destas características da cadeia da carne é que ela dificulta parcerias e afasta os seus elos. Perpetuando uma qualidade medíocre para a carne.
Porém em 2015 a peneira deu sinal que pode estar com problemas. A coincidência do pico do ciclo de alta do preço da arroba com uma demanda de consumo fraca do país, esta castigando duramente a Indústria e colocando o incrível sistema em cheque. Se a indústria compra pouco não tem como retirar dali tanta qualidade, da mesma forma o gado inferior comprado encarece o preço médio do dia. Além disto, a ociosidade pode ser fatal.
O processo de mudança também é estimulado por pecuaristas mais capacitados e mais produtivos que perceberam que para se manterem competitivos comparados a outros tipos de exploração agrícola, deverão agregar mais valor a cada quilo de carne produzido. Iniciativas como cooperativas verticalizadas e associações especializadas em carnes superiores começam a surgir. Este é o começo da mudança.
Talvez a cadeia precise pensar em uma forma mais eficiente de comercio, a Indústria deverá definir o que quer e o produtor deverá se alinhar a este pedido. E logicamente todos deverão respeitar e olhar mais para o Rei Consumidor. Com certeza Produtor, Indústria e Varejo deverão traçar estratégias para influenciar e fomentar o consumo.
O Novo Sistema de compra deverá se parecer menos com a pesca de rede e mais com a pesca com varas e anzóis. Ele requer pessoas mais especializadas, processos mais definidos, Produtores mais conscientes. Necessita de confiança entre os elos! Se quiserem lambaris, deverão colocar pequenas iscas, já se quiserem Jaús os equipamentos serão bem mais pesados.
Neste novo sistema o Produtor deverá definir o mercado que venderá seus bois antes de decidir que linhagem de sêmem vai comprar.
Estas mudanças, como tudo em uma Pecuária Continental-Tropical, estão ocorrendo lentamente. Parceria, Transparência e Confiança será a essência deste novo sistema.
Alguns participantes da cadeia já praticam esta nova modalidade, outros talvez precisem de novas crises e tsunamis para rebocá-los.
Por André Bartocci, pecuarista, diretor da ACNB e formado em Direito. Realiza recria e engorda com Integração Lavoura e Pecuária na Fazenda Nossa Senhora das Graças, em Caarapó – MS.